Mercado internacional busca ouro como alternativa ao dólar; Brasil enfrenta garimpos ilegais
No Brasil, procura do ouro diante de incertezas globais esbarra em problemas com licenças e violência contra indígenas
Economia|Deborah Hana Cardoso, da RECORD

Guerras, rumores de conflitos, pandemias e decisões políticas polêmicas resultam em instabilidade entre investidores ao redor do mundo. Esse fenômeno tem até um jargão: “Cai a bolsa, e sobe o dólar” — expressão usada para indicar o nível de incerteza do mercado. Mas há uma aposta de especialistas para chegar perto de um equilíbrio: o ouro. O metal precioso tem sido visto como uma “âncora” em meio às tempestades no mercado.
Segundo o Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração), o faturamento do setor mineral em 2023 foi de R$ 270,8 bilhões. O ouro teve alta de 13,3%, impulsionada pela valorização no mercado internacional.
Segundo o site Real365, que monitora a cotação do metal em gramas, o preço do ouro no Brasil subiu a partir de 2024, ando de R$ 325,30 (fevereiro/2024) para R$ 400,15 (abril/2024) — aumento de 23% no período. Antes disso, a cotação não ultraava a barreira dos R$ 300.
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De acordo com Lucimar Hernandez (nome fictício), vendedor de ouro nas ruas de Brasília, a movimentação entre compra e venda segue estável, mas os valores mudaram.
“Aqui, é meio a meio: há quem compre e quem venda. Lidamos com muito dinheiro no ramo, e a polícia está sempre de olho”, afirmou.
Hernandez diz que o principal risco é comprar ouro de procedência duvidosa. “Preferimos quando há documentação, porque se a polícia apreende, é problema. Nossa comissão é de 10% do valor total, mas, se houver algo errado, somos nós que arcamos com as consequências”, explicou.
Geopolítica
Quem está comprando? Governos, investidores e empresas. A maioria da demanda vem do mercado atacadista (commodities).
Além das empresas de tecnologia, que utilizam o metal por sua estabilidade como condutor de energia, grupos econômicos recorrem ao ouro como reserva de valor em cenários incertos.
A eleição de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos, no ano ado, impactou no preço do item. No dia em que a vitória do republicano foi anunciada, o grama do ouro atingiu R$ 485,58.
Para o mercado, isso representa mais impacto do que eventos como a pandemia de Covid-19 (2020–2023), a guerra na Ucrânia, os conflitos no Oriente Médio, as tensões entre China e Taiwan ou instabilidades no continente africano.
O Câmera Record deste domingo (3) vai mostrar a história de pessoas que vivem do garimpo flutuante, no meio de uma área de preservação ambiental.
O Câmera Record deste domingo (3) vai mostrar a história de pessoas que vivem do garimpo flutuante, no meio de uma área de preservação ambiental.
Desconfiança e solidez
Para Lívio Ribeiro, pesquisador do FGV/IBRE e sócio da BRCG Consultoria, o ouro continua sendo uma das opções mais seguras de proteção patrimonial.
“A busca pelo metal não vem somente de pessoas físicas, mas também de governos, empresas e bancos. O cenário atual reflete a desconfiança em relação ao dólar como reserva de valor”, afirmou.
O novo governo Trump pretende reindustrializar os Estados Unidos e, para isso, adota estratégias que desvalorizam o dólar e desencorajam importações.
“Os EUA querem reduzir a demanda global pela moeda americana, o que a torna menos atrativa. Nesse contexto, cresce a procura por alternativas como o euro, a libra, o franco-suíço e o ouro”, explicou Ribeiro.
Brasil
E onde entra o Brasil nesse cenário? O país possui jazidas em diversos estados: Minas Gerais, Pará, Goiás, Mato Grosso e Bahia concentram grande parte das áreas destinadas à mineração.
Diante desse potencial, o deputado federal Joaquim arinho (PL-PA) criticou a lentidão do governo federal na regularização de áreas para exploração legal.
“Apontam o dedo para mim e dizem: ‘Você defende o garimpo’. E eu respondo: ‘Não, eu defendo a legalização’. Legalização para que só atuem em áreas autorizadas. Não se pode garimpar em terra indígena nem atuar ilegalmente”, declarou.
Ele citou a cidade de Itaituba, no Vale do Tapajós (PA), como exemplo. “O local virou refúgio de garimpeiros após o fim da exploração em Serra Pelada, em 1992. Lá, existem diversas cooperativas e pessoas que tentam trabalhar honestamente”, afirmou.
Garimpo
Itaituba é conhecida pela venda ilegal de ouro e pelos conflitos com os indígenas munduruku. Haroldo Santos, coordenador do Conselho Indigenista Missionário da Regional Norte, afirmou que a relação entre indígenas e garimpeiros é tensa.
“Há muito conflito. Enquanto os povos indígenas lutam para proteger seus territórios, o garimpo avança em sentido oposto”, disse.
Santos não se opõe a licenciamentos de mineração, desde que distantes das terras indígenas. “Mais licenciamento em áreas específicas pode ser uma solução. No caso das terras indígenas, a saída é a demarcação”, apontou.
Ilegalidades
Segundo o Unodc (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime), em 2023, somente 35% da produção de ouro no entorno do rio Tapajós apresentava regularidade.
Para Santos, a valorização internacional do ouro agrava os riscos à integridade dos territórios indígenas. “Garimpeiros ilegais devastam áreas protegidas, enquanto toneladas de ouro seguem saindo do país sem controle”, afirmou.
Sob anonimato, um garimpeiro de Itaituba relatou à RECORD as dificuldades para obter licenças na região do Tapajós. “É difícil combater a ilegalidade quando não se consegue liberar a licença. Temos famílias para sustentar”, disse. “Queremos trabalhar na legalidade”, emendou. “Sai muito ouro ilegalmente do Brasil”, concluiu.
Em nota, a ANM (Agência Nacional de Mineração) informou que reforça a fiscalização sobre a origem do ouro, adotando tecnologias de rastreamento e exigindo mais transparência na cadeia produtiva.
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